Eustace H. Gallagher, ou Capitão Gallagher, é uma personagem do romance O Hóspede de Job (1963), de José Cardoso Pires. Militar norte-americano em visita à Vila de Cercal Novo, no Alentejo, representa a ameaça estrangeira em um país marcado pela miséria. É ele o hóspede a que se refere o título em “uma contradição irónica nos termos por que se define: Job, figura extrema da pobreza, recebendo e sustentando um hóspede rico (o capitão Gallagher)” (Alexandre Pinheiro Torres apud J. Cardoso Pires, O Hóspede de Job. Lisboa: Moraes Editores, 1964: 177).
O capitão vem a Portugal para apresentar um novo material de guerra aos militares portugueses, cuja demonstração de uso terá um resultado trágico: um projétil atinge o cavador João Portela que, devido à gravidade do ferimento, tem uma perna amputada. Contudo, apesar de ser o responsável por este infortúnio, o estrangeiro não tem sua vida abalada pelo mal que causou, cabendo aos locais (militares ou civis) ajudarem o jovem aleijado: “Especialista de armamento e de guerras, traz consigo a arrogância e a luta. E, ao abandonar a terra de Job, levará como presente a dor dos camponeses” (Liberto Cruz, José Cardoso Pires. Lisboa: Arcádia, 1972: 35).
A personagem é construída explicitamente em oposição a João Portela – “Gallagher escrevia seu relatório sem os ouvir. (…) A páginas tantas, bebeu uma golada de whisky e veio à janela tomar alento. Lá em baixo, num muro de cicatrizes, Job contemplava, com os olhos mudos, o cair da tarde (…)” (Pires, 1972: 164) –, mas não só. Sendo Portela entendido como uma personagem típica, a dinâmica de contrastes estende-se à categoria que Portela representa e que é evocada também por outras personagens, por exemplo: “Gallagher lembra-se da garota de cabelos de estopa que, num café de Cercal Novo, lhe entregara por oitenta e cinco cêntimos uma espoleta [de granada], um temível pedaço de morte capaz de destruir um Paton ou um ninho de adversários. / «Bravo soldadito, nice kid…»” (174-175). (…)
O Capitão Gallagher, portanto, alegoriza a exploração, ciente da sua posição de privilégio e de poder, para quem Portugal é um possível entretenimento: “«Este pequeno país», escrevera ele à mulher, em Kalamazoo, Michigan, «é uma verdadeira praia a todo o comprimento (…). Já imaginaste o que seriam umas férias aqui com os pequenos? A vida é barata e tranquila, e os portugueses, embora tristes, são acolhedores.»” (171). A personagem expõe, assim, as assimetrias nas relações de poder, temática constante da escrita cardoseana.
Gabriella Campos Mendes, “Capitão Gallagher”, in Dicionário de Personagens da Ficção Portuguesa.
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