Inscrevendo no seu título a expressão estudos narrativos, este dicionário não busca apenas contemplar uma área científica com recorte nítido. Aquela expressão sugere também que esta não quer ser tão-só uma obra de teoria, no sentido mais forte e consequente do termo; ela encerra também (e muitas vezes explicita-as) propostas de trabalho, ou seja, de estudo da narrativa – ou das narrativas. Vai neste plural muito daquilo que hoje está adquirido pelos estudos narrativos: num mundo que conhecemos, representamos e organizamos sub specie narrationis, é pertinente que muitos relatos e não apenas os literários sejam objeto de análise; neles – em contexto televisivo ou na Internet, nas páginas de um conto ou numa notícia de jornal –, está muito do que somos, como pessoas e como coletividade. Sem narrativas não sobreviveríamos, porque a nossa experiência do tempo, do espaço e da relação com os outros ficaria irremediavelmente mutilada.
E contudo, não deve estranhar-se que os exemplos e as referências a narrativas que aqui se encontram venham predominantemente do campo literário. Sem contrariar o que fica dito, essa insistente presença (insistente, não exclusiva) traduz o que para mim e para muitos é inquestionável: provêm da literatura os mais complexos e densos textos narrativos a que a condição humana deu origem. Há milénios que assim é e assim continuará a ser por muito tempo, para além de preferências pessoais (a minha é de ordem literária, evidentemente) e de conveniências institucionais.
(C. Reis, Prefácio de Dicionário de estudos narrativos. Coimbra: Almedina, 2018, 582 pp.)